O Globo | Illumina (04/08/2022)
O DNA, guardado no interior das nossas células, tem informações fascinantes a respeito da nossa saúde. O código da vida é composto por somente quatro letrinhas: A de adenina, C de citosina, G de guanina e T de timina. Única em cada ser humano, essa combinação determina, em grande parte, quem somos e quais enfermidades temos agora ou desenvolveremos no futuro. A ciência já conhece diversas aplicações práticas ao genoma humano. A grande questão hoje é como democratizar o acesso a essa ferramenta que pode salvar vidas.
Os esforços para decifrar os nossos genes começaram em 1990, quando o Projeto Genoma Humano foi lançado nos Estados Unidos. O programa foi concluído em 2003, ao custo de 13 bilhões de dólares e com o anúncio do sequenciamento de 92% do código genético. Foi somente em abril deste ano que um artigo publicado na revista “Science” preencheu as lacunas deixadas no passado, com o anúncio do quebra-cabeça completo que compõe o genoma humano.
A tecnologia está avançando a passos largos. Em 2006, mapear o genoma de uma pessoa custava 150 mil dólares e demorava semanas. Hoje, um sequencia- mento de última geração custa de 500 a 1.000 dólares e leva algumas horas. Embora se trate de uma diferença gigante para tão pouco tempo, o valor ainda é elevado para ser aplicado em larga escala. Por isso, a meta das empresas que decodificam informações genéticas é diminuir essa conta ainda mais.
“Por mais que os testes genéticos já tenham sido comprovados científica e economicamente em algumas áreas, a sua utilização na área clínica ainda é restrita a um número muito pequeno de pessoas no Brasil e no mundo”, disse Vagner Simões, diretor de Vendas da Illumina Brasil, no Fórum de Acesso à Genômica, realizado no dia 27 de julho (veja abaixo). Segundo ele, a meta da empresa, líder em biotecnologia e pesquisas em genética, é sequenciar o genoma ao custo de 100 dólares.
Testes Genéticos: Para quem?
Existem algumas modalidades de testes à disposição das pessoas. Uma delas é a chamada genética recreativa, como os exames que determinam a ancestralidade de um indivíduo a partir de uma amostra da saliva. Ainda nessa linha, é possível desenhar um painel de bem-estar, mostrando quais alimentos são mais adequados para uma pessoa, por exemplo.
No entanto, do ponto de vista médico, a principal aplicação dos testes é identificar genes que causam doenças. Estima-se que de 2% a 3% dos filhos de pais normais nasçam com enfermidades genéticas, isto é, que alteram o DNA. Muitas vezes, o casal só descobre essa informação no nascimento da criança.
Não é exagero dizer que a genômica revolucionou o diagnóstico das doenças raras, definidas como aquelas que afetam até 65 pessoas em cada 100 mil. Calcula-se que cerca de 13 milhões de brasileiros façam parte desse universo.
Os testes genéticos começaram a ser incorporados ao rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) desde 2014, dando acesso aos pacientes que têm plano de saúde. No serviço público, do qual depende a maioria dos brasileiros, o acesso é mais restrito.
Além de causar um grande impacto sobre o indivíduo e sua família, essas enfermidades têm implicações incalculáveis sobre a saúde pública e privada. Muitas vezes, somente com os testes genéticos é possível chegar ao diagnóstico da condição, encerrando uma odisseia que, na Inglaterra, demora em média 5 anos — no Brasil, possivelmente mais.
Os exames permitem ainda antecipar e monitorar outras manifestações que possam estar asso- ciadas à condição, além de facilitar o acesso aos serviços de saúde especializados e às terapias de estimulação e suporte, às vezes necessárias por toda a vida.
Avanços na medicina reprodutiva
O diagnóstico de uma doença rara facilita o aconselhamento reprodutivo dos pais e o acompanha- mento de outras pessoas da mesma família que possam ter a condição. O custo da prevenção é infinitamente menor que o do tratamento, que muitas vezes nem sequer existe. Por isso, uma das áreas onde a genômica mais cresce é a medicina reprodutiva. Os testes são indicados também para casos de aborto de repetição, e casais formados por parentes e mulheres com mais de 40 anos.
“As pessoas estão demorando mais para ter filhos, por causa da vida moderna. Em gestações de idade avançada, a chance de o bebê ter uma anomalia no cromossomo, como a síndrome de Down, é muito grande”, explica Cristovam Scapulatempo Neto, diretor médico de Anatomia Pato- lógica e genética da Dasa.
Em um processo de fertilização in vitro, é possível analisar as células do embrião e procurar alterações comuns em alguns genes, assim como mutações já conhecidas na família dos pais e que podem estar associadas a doenças graves. No laboratório, selecionam-se somente os embriões saudáveis para a possível gestação, evitando que o feto tenha uma malformação.
Prevenção e combate ao câncer
Algumas alterações genéticas que podem ser rastreadas estão ligadas ao câncer. Quem herda, por exemplo, mutações nos genes BRCA1 e BRCA2 tende a desenvolver câncer de mama e de ovário em idades mais jovens do que aquelas pessoas que não têm essas mutações. Para esses indivíduos, uma ação preventiva é a retirada das trompas de falópio, ovários e mamas, como fez a atriz Angelina Jolie, portadora da mutação.
“Com os testes genéticos, é possível testar a família inteira, detectar a doença de maneira precoce ou evitar que ela apareça em quem ainda não a desenvolveu”, afirma Cristovam Scapulatempo Neto.
Em outra frente, a genômica propiciou o desenvolvimento das chamadas terapias-alvo, um tratamento que ataca células tumorais, reduzindo sua ação sobre organismos saudáveis e os efeitos colaterais.
As terapias-alvo têm boas aplicações, por exemplo, para o câncer de pulmão, especialmente nos casos associados a mutações no DNA, não ao tabagismo. “A medicina moderna aumentou a cura de muitos tumores, mas também propiciou que a gente tornasse o câncer cada vez mais uma doença crônica. Muitos pacientes podem ter uma vida confortável e com qualidade por mais anos”, diz o diretor da Dasa.
Remédio sob medida
Na área da psiquiatria, já existem testes que determinam, com base no DNA da pessoa, quais remédios funcionam ou não para ela e em qual dosagem. Em 2018, o jornalista Jorge Pontual, correspondente da TV Globo nos Estados Unidos, revelou que, após quase 40 anos sofrendo de depressão, descobriu que usou medicamentos errados para o seu organismo, após um exame genético. Com o resultado da análise, seu psiquiatra conseguiu ajustar a droga ideal para ele.
Cristovam Scapulatempo Neto acredita que, no futuro, todas as pessoas terão esses dados, que ficarão disponíveis em um site ao qual cada um terá acesso. “Esse é um campo ainda pouco explorado. Mas, pensando em saúde pública, economia e resultado de tratamento, a área vai crescer muito”, prevê ele, que vai além. “Imagina que, daqui a alguns anos, a gente pode ter o genoma mapeado desde o nascimento do bebê. Aquela pessoa vai saber o que é bom para ela ter uma vida saudável, o que ela deve evitar para não desenvolver determinadas doenças.”
Evento debate como ampliar o acesso à genômica
Cientistas da área genômica se reuniram em São Paulo, no dia 27 de julho, para discutir o acesso à genômica e a importância da área na melhora da qualidade de vida, do tratamento e do diagnóstico de diversas doenças. O evento (assista abaixo) foi realizado pela Editora Globo em parceria com a Illumina, líder em biotecnologia e pesquisas em genética.
Vagner Simões, diretor de Vendas da Illumina Brasil, abriu o Fórum de Acesso à Genômica falando sobre como o mapeamento genético é uma ferramenta de auxílio diagnóstico para o câncer, doenças raras e moléstias complexas como Alzheimer e diabetes.
A despeito disso, ainda existem algumas barreiras para aumentar o acesso das pessoas à genômica: custo, conhecimento sobre a ciência e análise e armazenamento de dados.
Em seguida, Mayana Zatz, professora de Genética da Universidade de São Paulo, apresentou um histórico sobre a evolução dessa ciência e destacou como a genômica vai revolucionar a medicina. Medicina de precisão, identificação e edição de genes que causam doenças genéticas, transplantes de órgãos entre diferentes espécies foram algumas ações citadas pela cientista, que resumiu: "Ninguém escapa da genética".
No painel “Genética — diagnóstico, tratamento e acesso”, Fabíola Monteiro, gerente médica na Mendelics Análise Genômica, falou sobre as aplicações da ciência para pessoas com doenças raras, enquanto João Bosco de Oliveira, gerente médico do serviço de genômica do Hospital Israelita Albert Einstein, discorreu sobre o acesso aos testes genéticos nos campos público e privado.
O evento contou ainda com a presença de Maria Rita Passos Bueno, professora e pesquisadora do Centro de Estudos do Genoma Humano e Células-Tronco, da USP; Rodrigo Fock, coordenador do Centro Clínico de Genômica da Dasa; Rodrigo Guindalini, oncologista clínico; Dirce Maria Carraro, chefe do grupo de genômica e biologia molecular do AC Camargo Câncer Center; além de Guido Boabaid May, psiquiatra e fundador da GnTech.
Foto: Mayana Zatz durante o Fórum de Acesso à Genômica / fotógrafo: Flávio Santana